segunda-feira, 28 de abril de 2014

A dor é linda

"Eu tenho um problema de dor. 
permanente. 
porque quero sempre mais, quero agora, quero tudo a que tenho direito. 
e já. 
mas a vida é assim: irónica. 
na maior parte das vezes junta-nos com as pessoas certas, no momento errado. too soon, or too late. será? nunca saberemos. 
porque somos nós que fazemos o nosso tempo.
 somos nós que o fazemos certo ou errado. 
somos nós que fazemos o cedo ou tarde. 
e não adianta perguntar, nem querer saber já se é este o caminho. 
porque não há problema em não saber todas as respostas. o desafio da vida é mesmo não sabê-las. é essa dúvida que traz a adrenalina das paixões loucas. 
dói? dói. 
magoa? magoa. mas, who cares? 
as respostas hão-de sempre chegar, às vezes quando menos se espera. 
e até lá, sabe bem? muito. 
és feliz? demais. 
então vai, aproveita o dia como se fosses uma criança. 
a dor é má? não, a dor é linda.
porque não é a dor triste de não encontrar quem se quer, não é a dor da frustração de não saber o que se quer. 
é a outra dor, a boa: a de saber que subimos ao ponto mais alto sem medo da queda. 
que entregamos tudo, mesmo com o risco de perder tudo. 
que damos o melhor de nós, mesmo com uma venda nos olhos: como se estivéssemos a brincar num quarto escuro, de mão dadas, abraçados, mas sempre aos trambolhões, a tropeçar nos móveis, a cair entre gargalhadas e dentes partidos.. dói? não. 
ama-se."

quinta-feira, 3 de abril de 2014

É melhor tentar e falhar, que preocupar-se e ver a vida passar.

Um dia, uma amiga disse-me que o pior de tudo no divórcio tinha sido a sensação de falhanço. Não a percebi, na altura. Mas, depois de pensar bem apenas lhe disse isto ." O fim de um casamento não é só o fim de um casamento. É o fim de um projecto de vida. Um projecto que era para sempre. Que incluía filhos e netos, tios e primas, sobrinhos e afilhados. Que incluía férias no Algarve e sonhar com uma casa no campo. Que incluia o colchão que comprámos a pensar no modo como os nossos corpos se encaixam, o candeeiro que escolhemos juntos, o tapete de que um de nós nunca gostou. Que metia os amigos ao barulho e as festas que planeávamos fazer e as conversas que tínhamos. Que metia gargalhadas e discussões. Projectos de trabalho, lutas a travar, promoções e contrariedades. Rotinas. Idas ao supermercado. Sopas. Roupa por estender. Colos. Coisas boas e coisas más. Memórias que se acumulam. Envelhecer de mão dada. Cuidar um do outro. Um casamento não é só um papel que se assina. É uma vida que se constrói todos os dias a dois (e a mais). Por isso quando um casamento acaba não é só o casamento que acaba. É a vida tal como a conhecemos que acaba. E começa de outra maneira. Com um tapete novo. Com outro colchão. Sem aqueles primos. Sem aquela rotina. Com outros sonhos. Talvez outro amor. Por isso, mesmo quando temos a certeza que é o divórcio que queremos. Mesmo quando o afecto já se foi. Mesmo quando há rancores que nos corroem. Mesmo quando sabemos que estamos a dar o passo certo, o passo que nos vai fazer bem, o único passo a dar. Mesmo assim (ou, talvez, sobretudo aí) perguntamo-nos como foi possível acreditar tanto e, afinal, estar tão errada. Como foi possível perder tanto tempo e desperdiçar tantos sonhos. Como foi possível investir tanto, querer tanto. E não conseguir. É que não foi um mero engano, uma coisa de nada. Foi um erro do tamanho de uma vida. Um falhanço, como quando se erra um golo de baliza aberta. Estava ali tudo e no entanto."

No dia em que foi assinar o seu divórcio não tirou os óculos escuros. Chorou o tempo todo. A senhora a ler aquelas coisas todas, ambos os nomes, a morada, a casa, o carro, o número do cartão de cidadão, papéis intermináveis para assinar, a senhora a perguntar se ela queria mesmo divorciar-se e não bastou ela acenar com a cabeça, tem que dizer em voz alta, disse ela, e ela disse numa voz sumida, sim, quero, como tinha feito para casar, sim, quero, são as mesmas palavras, mas desta vez ela estava de óculos escuros e a chorar. Não era um chorar de tristeza. Essa já tinha passado, há muito. Era o chorar de quem se confronta com o seu falhanço. Total. Era um chorar de vazio. De quem perdeu o chão e agora vai ter de começar de novo. Tudo de novo. Ou quase tudo.

Outra vida. A mesma vida, que é a nossa.